Sobre desconstruir um lar
Uma nova casa virá novamente, no tempo certo. E quando as caixas se abrirem, os objetos, assim como eu, terão energias diferentes
atualizado
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A gente sempre conversa por aqui sobre os prazeres de montar uma casa, escolher objetos e definir detalhes do projeto que vão acolher a vida no novo lar que se desenha. Mas o morar, vez ou outra, faz o caminho inverso… e se vira do avesso. A vida ganha novos planos, direções e cai a ficha que nem todas as partes das nossas escolhas são fáceis. Desfazer-se de uma casa que a gente ama é uma das sensações mais complexas que já vivi.
Uns quatro meses atrás, coloquei minha casa inteira em 92 caixas de papelão. Tirei 13 anos de dentro dos armários.
Abri uma garrafa de vinho, liguei minha caixa de som, respirei fundo e deixei as sensações fluírem. Fechar tudo no escuro das caixas, com fita durex, é mais difícil do que parece quando a mudança envolve fechamentos pessoais.
Entrei em todos os pedaços da casa. Nas bagunças secretas, nas caixas de memórias, nas prateleiras altas da cozinha que eu nem lembrava o que guardavam. Enrolei em jornal a coleção de arinhos de madeiras que ficava na prateleira da sala… cada um com uma história diferente.
Guardei os livros que tanto amava em caixas e mais caixas. Encarei os álbuns de fotos. Os desenhos de quando o filho era pequeno, que estavam em pastas no maleiro do armário. Levei as plantas, algumas que me acompanham há mais de 10 anos, para a casa dos meus pais. Vi um pedaço imenso da vida se fechando no contêiner. Oficialmente, um capítulo do ado. Um peso que saiu das minhas costas e agora era sustentado pelos eixos do caminhão.
Subi de novo para o apartamento. Precisava sentir ele vazio. Senti a paz imensa de fechar um ciclo com leveza, sem fugir dessa imersão final na vida que já vivi. Foi linda a vida ali. E segue linda a vida agora.
As 92 caixas estão em um depósito por tempo indeterminado.
Um novo lar virá novamente, no tempo certo. E quando as caixas se abrirem, os objetos, assim como eu, terão energias completamente diferentes.
Tem coisas que precisam morrer para renascer. É assim com a gente, e é assim, às vezes, com o nosso lar.