Famílias acolhedoras preservam dignidade de crianças antes de adoção
Em São Paulo, o Dia da Família Acolhedora é comemorado oficialmente neste sábado (31/5). Quem já ou pela experiência conta como é
atualizado
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Muito se fala sobre adoção, mas falta entendimento geral sobre a nomenclatura de “família acolhedora”: aquelas que não têm intenção de adotar, mas resguardam temporariamente crianças e adolescentes vulneráveis.
Trata-se de um serviço no âmbito social, com o objetivo de proporcionar tratamento personalizado, convivência familiar e comunitária. O objetivo principal é garantir, em meio a trâmites judiciais, bem-estar, dignidade e, eventualmente, facilitar o retorno dos acolhidos aos parentes de origem ou a adoção.
Em São Paulo, o Dia da Família Acolhedora é comemorado oficialmente em 31 de maio, conforme lei municipal de 2021. Para propagar o conceito, a reportagem do Metrópoles conversou com quem já ou pela experiência.
Famílias acolhedoras
Manoel Roque (foto em destaque), de 52 anos, é casado com Cristiane, de 51. O casal paulista de comerciantes tem duas filhas, de 22 e 28. Em 2019, por recomendação de um amigo, eles decidiram se inscrever e fazer um treinamento para arem a ser uma família acolhedora. No processo, foram acompanhados por uma equipe técnica, com assistente social e psicóloga.
“Na primeira aula, teve uma frase que eles falaram de que o acolhimento é cuidar da criança no momento de vulnerabilidade da família [biológica]. E eu percebi que era isso que eu queria fazer”, relembra Roque. “Em relação a sentimento, não tem coisa melhor no mundo para se fazer. O acolhimento dá dignidade para a criança. A criança é incluída, inserida.”
De lá para cá, já foram sete experiências distintas com bebês e crianças em casa. Para Roque, cada acolhimento é único e traz novas vivências e experiências. Além disso, a cada vez é gerado um afeto único, mas sempre especial.
“Há uma ligação muito forte. Se não houver, não é acolhimento, é só hospedagem. Você ser hospitaleiro, ok, mas o acolhimento tem que gerar vínculo”, assegura. “Quanto mais vínculo da criança com a família acolhedora, mais ela vai se apegar à família para a qual ela for, ou a de origem, ou a extensa, ou a adotiva”, acrescenta.
Tatiana Fagundes e Dieldir, ambos de 43 anos, são pais de duas meninas, de 9 e de 16. Em 2024, aram pelo primeiro acolhimento, e, atualmente, estão no segundo. “Para a gente, trata-se de amor ao próximo, um amor gratuito. Um cuidado inexplicável”, define Tatiana.
Todos os moradores do lar participam dos cuidados com a criança acolhida. Para isso, a rotina dos integrantes se adapta. Apesar de ser um serviço temporário, engana-se quem pensa que é preciso praticar o “desapego” na hora da despedida.
“Quando a gente fala que é uma família acolhedora, a primeira pergunta que nos fazem é como conseguimos desacolher. Isso não existe. A gente costuma falar que quem é o protagonista é a criança, a gente só é coadjuvante. Então, se a gente coloca essa criança, esse bebê em primeiro lugar, tudo flui bem e vale a pena”, garante Tatiana.
Benefícios
Atualmente, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Brasil, há cerca de 33 mil crianças e adolescentes acolhidos. Do total, apenas 6,1 % estão sob os cuidados de famílias acolhedoras. A grande maioria fica em abrigos institucionais.
A assistente social Gisele Oliveira, que gerencia o Pérolas, um serviço de família acolhedora em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista, explica que a iniciativa seleciona participantes para receberem crianças, sob o intuito de evitar que elas sejam levadas a abrigos convencionais.
“O acolhimento familiar é temporário, mas os benefícios são para vida toda. Segundo pesquisas já comprovadas, a permanência da criança em acolhimento institucional traz prejuízos, desenvolvimento reduzido”, explica. “Hoje, infelizmente, no Brasil, há um número muito pequeno de acolhimento em famílias, justamente porque ainda existe pouca divulgação e os próprios municípios ainda não têm um grande engajamento nesse trabalho”, acrescenta a especialista.
O início do acolhimento envolve expectativas e desafios. Afinal, trata-se de um período de adaptação no qual vínculos são estabelecidos e am a influenciar o desenvolvimento da criança.
Como participar
Para integrar a iniciativa de família acolhedora, o interessado deve preencher alguns requisitos: estar saudável; ser maior de 21 anos; não estar no Cadastro Nacional de Adoção; ter disponibilidade afetiva e emocional; não ter antecedentes criminais; concordância de todos membros; e ser aprovado nas etapas de documentos e capacitação. A inscrição pode ser feita on-line.
Em Santo Amaro, no Serviço de Família Acolhedora Pérolas, a estrutura permite resguardo de até 30 crianças. “Não temos famílias acolhedoras para elas. Temos apenas 18 famílias acolhedoras cadastradas no momento e, por falta de mais famílias, não podemos acolher mais crianças”, lamenta Gisele.
“Precisamos divulgar a importância e a necessidade de crianças estarem em família para que mais pessoas abram suas casas e corações. Sem famílias, as crianças não podem ter o ao direito que mais precisam: amor e cuidado personalizado”, completa a assistente social.
O tempo de acolhimento é diferente para cada caso, determinado por meio de decisão judicial. A média é de oito meses. Contudo, a permanência da criança ou do adolescente no lar acolhedor deve ser de até 18 meses.