Surtos, drogas e vozes: a história do morador que matou porteiro em SP
Emilio Carlos Swoboda Vigatto, preso pelo assassinato do porteiro do prédio em que morava, tem histórico de abuso de drogas e internações
atualizado
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São Paulo — Surtos psicóticos, consumo excessivo de drogas e “escutar” pensamentos alheios marcaram a vida de Emilio Carlos Swoboda Vigatto, de 43 anos, até ele ser preso pelo assassinato do porteiro Gabriel Araújo, de 48 anos, em 2 de dezembro.
Gabriel foi morto a facadas por Emilio no início da manhã de 2 de dezembro do ano ado, na rua Caraíbas, em Perdizes, na zona oeste de São Paulo. Em audiência realizada nessa terça (11/3), o assassino confesso afirmou que cometeu o crime porque ouviu o pensamento do porteiro, que teria “assumido” ser estuprador.
A vítima trabalhava como porteiro no prédio em que Emilio morava. Em depoimento, o homicida afirmou que os funcionários do condomínio eram todos “capatazes do zelador”. Ele acusou os colaboradores de invadirem apartamentos e cometerem abusos sexuais contra mulheres e crianças do complexo residencial, sem apresentar qualquer prova.
Veja trechos do depoimento de Emilio:
Histórico do assassino
Emilio nasceu em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, em 19 de agosto de 1981. O gaúcho se mudou para São Paulo no começo dos anos 2000 para morar com o pai, após divórcio dos seus genitores. Naquela época, com aproximadamente 20 anos, ele já apresentava episódios psiquiátricos e problemas com a polícia.
A mãe de Emilio enviou um e-mail a uma clínica de reabilitação onde ele ficou internado, entre 2009 e 2010, contando sobre a história do filho. “Tento escrever sobre o Emilio há alguns dias e nada consigo. Parece-me que esqueci muitas coisas, nem sei bem por onde começar”.
De acordo com o texto, Emilio era uma criança tímida, que com o tempo se tornou extrovertido e comunicativo. Na pré-escola, ele era um bom aluno, mas muito agitado. Na adolescência, frequentava festas – sempre com a supervisão da mãe.
O assassino confesso estudou toda a vida em escola particular e a família tinha uma boa situação econômica – o suficiente para construir, com recursos próprios, a casa onde moravam. O jovem, porém, tinha problemas de relacionamento com o padrasto — do segundo casamento da mãe.
No círculo social, Emilio era popular. Bem quisto pelos pais dos amigos e querido pelas amigas mulheres, que o adoravam e confiavam nele.
“Tínhamos muitos desentendimentos por limitar suas saídas a festas, barzinhos, antes dos 15 anos, e após também. Em casa, era amoroso, brincalhão, palhaço, gostava de conversar. Ficamos muitas vezes pelas madrugadas conversando sobre vários assuntos”, disse a mãe no e-mail.
Quando estava perto de completar 19 anos, o relacionamento com o padrasto piorou. Quando ele fez 20 anos, foi morar com o pai, em São Paulo. Dias antes, a mãe descobriu que o jovem estava fumando maconha. O genitor, segundo ela, permitia o uso moderado da substância.
“A situação do Emilio foi se agravando, experimentando outras drogas. O Umberto [pai] me chamava quando as coisas estavam fora de controle”, escreveu.
Na capital paulista, o jovem ligava para a mãe chorando de saudade, mas dizia que voltaria ao interior apenas quando estivesse rico, “que não voltaria como um perdedor”.
Internações e prisão
A primeira internação em ala psiquiátrica ocorreu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, após Emilio visitar a família materna e ser pego usando drogas. Ficou 62 dias em contenção. Ele chegou a iniciar o curso superior de istração na cidade gaúcha, mas não concluiu.
Entre 2001 e 2002, Emilio foi a uma festa rave em Alto Paraíso, em Goiás. Ele teria experimentado LSD, Santo Daime e outras drogas. Sob efeito dos entorpecentes, acabou destruindo um carro e foi preso. ou, novamente, 62 dias em contenção, dessa vez detido na cidade goiana.
Durante o período de reclusão, ele tentou colocar fogo na própria cabeça. Para evitar novos episódios, os presos rasparam o cabelo do rapaz.
Entre 2003 e 2004, durante uma visita a São Paulo, a mãe suspeitou que Emilio estaria usando crack. Ele foi novamente internado – o que resultou em mais 62 dias de internação e sedação. “Sem nenhum resultado positivo. Apenas revolta por parte do Emilio com relação a mim”, escreveu a mãe.
Em 2005, Emilio se mudou para Pelotas para morar com a família materna, o que incluía o padrasto. Algumas regras foram estabelecidas, como: não usar drogas, não fumar dentro de casa ou transar com namoradas na residência. “Só trazer em casa os amigos que não eram usuários (tola ilusão)”, diz trecho do e-mail.
Ele também deveria manter acompanhamento psicológico e psiquiátrico, tomar medicação e fazer exames de sangue e urina regularmente.
Apenas dois dias depois de se mudar para Pelotas, Emilio entrou em surto e ameaçou a mãe com um canivete. Eles entraram em luta corporal, e ele acabou com um corte em dois dedos da mão.
Após o episódio, foi trocado o psiquiatra e a medicação. Ele também ou a participar de reuniões dos Narcóticos Anônimos (NA). A mãe ou a trabalhar menos para acompanhar o filho, que estava “melhorando gradativamente”.
Quando recebia visitas, o comportamento de Emilio alterava. Por isso, seu círculo social ficou à família. Ele desenvolveu um quadro de depressão e novamente a medicação precisou ser trocada.
Após sete meses, a mãe se divorciou do padrasto do rapaz. Os irmãos mais novos foram morar com o padrasto. Ela foi morar em Florianópolis. Emilio voltou para São Paulo.
Em 2010, a mãe de Emilio escreveu: “nesses últimos quatro anos, algumas internações, comunidades terapêuticas. Não chegou a concluir nenhum programa. Ora o pai o tirava, ora fugia”. Na época, ele estava no terceiro mês de uma internação que duraria aproximadamente um ano.
Após a morte do pai, sem data especificada no processo, Emilio continuou morando em São Paulo, no apartamento do genitor. Em audiência, disse que estava cursando o último período de um curso superior antes de ser preso.
“Estou triste que ia me formar na faculdade pra provar pra minha família que eu sou um cara da hora, fazer minha vida dar certo, meu trabalho, arrumar uma namorada… Mas não tinha como arrumar uma namorada, porque eu vou trabalhar, vou deixar minha namorada em casa sozinha, ela vai ser estuprada”, disse em depoimento prestado nessa terça-feira.
Vozes e violência
Emilio não tinha agens policiais além da detenção em Alto Paraíso, entre 2001 e 2002. Apesar disso, fontes ligadas ao processo que investiga a morte do porteiro Gabriel apontam que o homem já tentou matar duas namoradas, uma professora travesti e uma colega com quem dividia apartamento.
Em 2 de dezembro do ano ado, ele cometeu o que seria seu primeiro homicídio, após supostamente ouvir o pensamento da vítima.
“E aí eu fiquei escutando pensamentos, cada vez que eu ava pelo Gabriel ali, [ouvia] as bobagens que ele me falava quando ava por mim. Eu escutava ele falando por pensamento comigo”, disse.
Conforme Emilio, um dia, ando pela garagem do prédio, ele teria escutado o porteiro pensar “comi”. Ele contou em audiência que “deve ter entrado de alguma forma em contato com o mental dele”.
“Eu fui desenrolando essa conversa, pra tentar entender, aí eu entendi que ele estava mexendo com pessoas do prédio, talvez com as mulheres que moravam lá no meu imóvel, que eu realmente sublocava”, completou o assassino, que entendeu se tratar de uma confissão de estupro.
O crime
- Policiais militares foram acionados por volta das 6h10 de 2 de dezembro para atender uma ocorrência na Rua Caraíbas, em Perdizes.
- No local, encontraram o porteiro Gabriel já morto, vítima de golpes de faca. Uma câmera de segurança registrou o momento do homicídio.
- Imagens do circuito de segurança de um endereço próximo ao local do crime mostraram aos policiais que o criminoso entrou em um veículo GM Onix.
- Com a ajuda do programa de monitoramento Muralha Paulista, a polícia identificou que o veículo entrou no mesmo condomínio em que o porteiro assassinado trabalhava.
- Uma campana de poucos minutos fez com que Emilio fosse identificado pelos policiais. Ele estava saindo do prédio utilizando o Onix quando foi abordado.
- Uma revista pessoal encontrou na cintura do homem um revólver calibre 38, marca Taurus, com numeração raspada e municiado com seis estojos íntegros. Ele confessou ter assassinado Gabriel.
- No carro de Emilio, a polícia encontrou as roupas utilizadas no crime. Já no apartamento do assassino, mais munições foram encontradas.
- Em conversas informais durante a abordagem, o homem confessou ter matado o porteiro sob a alegação dele ser “estuprador” e “ter mexido com a mulher dos outros”.
O que diz a defesa
O advogado João Moacir Correia de Andrade afirmou ao Metrópoles que, após as declarações em audiência, o juiz Renan Oliveira Zanetti, da 3ª Vara do Júri de São Paulo, determinou que Emilio e por um exame de sanidade mental.
Conforme a defesa do réu, a submissão do réu confesso ao exame já era um pedido feito por seus advogados. O requerimento, agora, foi reforçado também pela acusação.
“De 15 a 20 minutos ali [de depoimento de Emilio], falando a respeito de tudo ali, acho que não ficou dúvida ali para quem estava acompanhando de que ele, de fato, não é uma pessoa na sua consciência plena. Mas é claro que isso, quem vai dar o diagnóstico final, vão ser os profissionais competentes aos quais ele vai ser submetido a exame”, destacou o advogado.
Segundo Andrade, o réu sempre apresentou histórico de alguns desvios de conduta e, “depois do uso excessivo de droga, isso acabou agravando um pouco mais. Então é o que levou ele a esse desiderato”.
“É um quadro que a gente lamenta como ser humano. Como profissional, a gente vai buscar fazer o que a lei determina”, afirmou a defesa.
Andrade destacou que Emilio irá responder pelo crime, uma vez que ele confessou ter cometido o homicídio. “Os profissionais vão dizer até onde vai esse grau de insanidade ou não. A partir daí, [vamos] ver quais vão ser os caminhos jurídicos a serem tomados em relação a de que forma ele vai responder pelo que ele fez”, explicou.