“Me acostumei a viver em alerta”, diz mulher com doença autoimune rara
Fisioterapeuta de 32 anos enfrenta forma crônica de doença autoimune que já a deixou dependente de respirador e imóvel em 10 crises
atualizado
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A fisioterapeuta Roberta Marques Rodrigues, de 32 anos, está acostumada a encarar a dor de frente, não só pelo ofício, mas também por ser vítima de uma síndrome rara que causa crises frequentes e debilitantes.
Os primeiros sintomas da polirradiculoneuropatia inflamatória axonal crônica (CIDP) apareceram em 2008. A doença autoimune interfere na capacidade dos nervos de operarem corretamente e geralmente tem como gatilhos processos infecciosos de doenças virais e bacterianas, como uma resposta exagerado de defesa do corpo.
Alguns especialistas consideram a CIDP como uma forma crônica da síndrome de Guillain-Barré — que causa fraqueza e, em alguns casos, paralisia —, mas a progressão da doença é diferente. A CIDP tem curso mais lento e prolongado. Os sintomas podem evoluir por semanas, com dormência, fraqueza muscular e formigamentos progressivos.
A maioria dos pacientes percebe inicialmente a sensação de dormência ou queimação nas extremidades dos membros inferiores (pés e pernas) e, em seguida, nos superiores (mãos e braços). Isso ocorre por que os neurônios que comunicam os membros com o cérebro costumam ser os primeiros afetados.
“Não se sabe porque as células de defesa provocam a inflamação e o ataque às raízes nervosas e ao nervo periférico. A história clínica do paciente — com recorrência ou exames que apontem mais de dois meses de sintomas — é que permite o diagnóstico”, explica o neurologista Diego de Castro, de Vitória (ES).
Sintomas de Guillain Barré e de outras polirradiculoneuropatias
- Fraqueza muscular progressiva;
- Dificuldade em respirar nos casos mais graves;
- Sonolência;
- Confusão mental;
- Crises epilépticas;
- Alteração do nível de consciência;
- Perda da coordenação muscular;
- Visão dupla;
- Fraqueza facial;
- Tremores;
- Redução ou perda do tônus muscular.
No caso de Roberta, o diagnóstico de polirradiculoneuropatia inflamatória axonal crônica (CIDP) não foi a primeira sugestão dos médicos. “Me levaram ao hospital achando que era febre amarela ou reação à vacina. Depois disseram que era Guillain-Barré. A mudança de diagnóstico aconteceu quando as crises aram a se repetir e descartaram doenças como esclerose múltipla, miastenia gravis e esclerose lateral amiotrófica (ELA), até fecharem como CIDP”, lembra ela.
Crises que levam à UTI e à paralisia total
Roberta já enfrentou 10 crises da doença desde que os primeiros sintomas apareceram. A mais recente, que começou em setembro do ano ado, ainda está em curso. Desde então, ela ficou dependente de respiradores, precisou usar cadeiras de roda e andadores. Recentemente, ela tem apresentado melhoras, mas segue em tratamento.
Nas nove crises anteriores, a fisioterapeuta também foi intubada e precisou do e de aparelhos para respirara, já que teve a capacidade dos pulmões afetada. Em quatro episódios, ela chegou a ficar completamente incapaz de caminhar e teve de ser internada para reabilitação intensiva, como agora.
“Nessas eu tive que fazer fisioterapia, pois mal mexia o rosto. As outras seis foram variadas, com comprometimentos moderados a leves, onde fiquei na cadeira de rodas ou no andador após sair da UTI e do hospital. Foram diferentes tempos de recuperação”, relata.
As internações ocorreram principalmente após infecções, o que é comum em pessoas com este tipo de comprometimento. “A crise sempre vem após um processo infeccioso ou inflamatório. Já tive após dengue, Covid e infecção de garganta. Sempre fico atenta quando estou doente”, diz.
Diagnóstico precoce evita o agravamento da doença
A fisioterapeuta aprendeu a identificar os primeiros sinais de uma nova crise antes que ela se agrave. Fadiga incomum, contrações musculares involuntárias e reflexos diminuídos são sinais de alertas. “Quando percebo diferença na força, corro para o hospital. Eu sempre tenho que estar atenta”, diz.
O primeiro teste realizado em casos suspeitos é o de reflexos. A ausência ou redução é um dos indicativos de que a inflamação nos nervos periféricos está ativa, exige intervenção imediata.
Efeitos da doença no cotidiano da paciente
Roberta viu sua rotina ser alterada desde os primeiros sintomas. A necessidade de vigilância constante, mesmo durante atividades comuns, impacta a vida pessoal e profissional.
“É limitante. Eu nunca sei quando será a próxima. Já me acostumei a viver em alerta. Qualquer doença pode desencadear a próxima crise”, conta. A recuperação exige paciência.
Síndrome pouco compreendida
A síndrome CIDP é um distúrbio em que o sistema imunológico ataca partes do sistema nervoso. “A história clínica, com recorrência e sintomas por mais de dois meses, permite o diagnóstico. Os pacientes devem manter um tratamento contínuo para evitar recorrência do evento”, afirma o neurologista Diego de Castro.
Diferentes agentes infecciosos são associados ao surgimento do distúrbio. Entre eles estão a bactéria Campylobacter e os vírus da zika, dengue, sarampo e gripe. Vacinas também podem agir como gatilho em pessoas predispostas.
“A síndrome acontece quando os anticorpos atacam os nervos por confusão. O corpo se engana e tenta se defender de algo que parece um invasor e coloca os nervos nesse grupo”, explica o neurologista Márcio Siega, de Brasília.
Segundo Siega, mesmo em casos graves, os pacientes podem recuperar as funções musculares depois da crise, mas o tratamento deve ser imediato. “Quando atinge os músculos da respiração, o risco é maior”, alerta.
Mesmo com tratamento contínuo, não há cura para a CIDP. O objetivo é reduzir as recorrências de crises e preservar as funções neuromusculares com o máximo de independência possível. “Faço tratamento com imunoglobulina, plasmaférese, corticoides e fisioterapia. Agora vou começar a fazer infusão de rituximabe de seis em seis meses. Tenho esperança que as crises serão menos frequentes”, diz.
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