Por que o novo PNE não vai funcionar (por Claudio de Moura Castro)
Plano virou símbolo de status – mesmo não sendo levado muito a sério. A moda se alastrou para a Educação.
atualizado
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Temos prioridades e objetivos nas nossas próprias vidas. Para materializá-los, algumas atividades futuras precisam ser definidas, despesas previstas e compatibilizadas com o resto do que queremos fazer.
O mesmo com as empresas. A Apple decide investir mais em aplicativos de saúde, para isso, reduzirá gastos em projetos menos promissores. O pipoqueiro decide reformar a sua carrocinha, tendo que prever gastos e um período de inatividade.
De fato, não há como evitar esse processo de definir o que queremos no futuro e especificar o que envolve e custa. E, convém pôr tudo no papel. Planejar ou planificar é inevitável, gostemos ou não dessas palavras.
Porém, esse pedestre exercício teve uma vertente mais retumbante. No pós-guerra, a URSS crescia a taxas vertiginosas. Falava-se até da data em que ultraaria os Estados Unidos. E a sua ferramenta estratégica era o Plano Decenal. Não questionemos aqui os números exibidos e nem os sucessos dessa bombástica empreitada. Vale apenas mencionar que criou moda. Muitos países resolveram também preparar planos quinquenais ou decenais. O Brasil teve os seus. Plano virou símbolo de status – mesmo não sendo levado muito a sério.
A moda se alastrou para a Educação. A Unesco criou o seu Instituto de Planificação Educacional, dando legitimidade a tais iniciativas. Os planos entraram nas liturgias da gestão educativa.
Porém, têm as suas limitações. Não funcionam em muitas situações. Em uma economia totalmente estatizada e centralizada, como a soviética, tudo estava sob o tacão do Gosplan, o órgão planejador. Dele emanavam as milhares de ordens de produzir, digamos, tantos penicos e tantas toneladas de macarrão. Assim, o plano pontificava, o Comissário do Povo recebia a ordem e deveria executá-la. Um mandava e muitos obedeciam.
Na prática, não funcionou tão bem assim, mas esse não é o nosso assunto. Seja como for, uma Secretaria de Educação deve também pensar seriamente em como vai alocar seus recursos no futuro. De fato, não pode deixar de planejar o seu uso, consoante com os objetivos que quer alcançar. Mais na pré-escola? Então, menos construções. É a hora penosa das opções.
Mas, o que seria um plano para a educação no Brasil – o que tenta ser o PNE? Aí vem um monumental tropeço, pois não atende a uma premissa crítica. O Gosplan mandava e as secretarias mandam no orçamento e na execução do plano.
Todavia, as redes de escolas básicas pertencem aos estados e municípios. E estes têm total controle sobre seus recursos e redes. E nem falemos da autonomia do setor privado, ator importante no nível superior.
Daí que, com plano ou sem plano, o MEC não tem qualquer poder para mandar nessas outras instâncias istrativas. Sendo assim, o que significa enviar para a gráfica um documento dizendo que, em Cabrobó, a matrícula aumentará em 4,7%? Quem decide isso é o Prefeito de lá – olimpicamente ignorando o MEC. Portanto, sem poder de comando, o plano é pouco mais que um devaneio burocrático.
Faria sentido um plano do MEC para estipular o que farão suas próprias universidades e institutos. Por razões algo obscuras, quase nada ficamos sabendo de suas intenções para as únicas instituições que estão sob o seu controle e que, pelo menos na teoria, poderia planejar.
Estamos entrando no terceiro Plano Nacional da Educação. Nos dois primeiros, houve apenas fortuita aderência às palavras lá impressas. Aliás, como se esperaria. E não há qualquer razão para crer que esse terceiro terá mais sucesso em direcionar as ações dos 27 estados e cinco mil e tantos municípios, já que são autônomos nesses assuntos.
Se o novo plano não for absurdo, como cidadãos, podemos torcer para que prevaleçam os sonhos do MEC. Porém, planos não deveriam ser exercícios de fé.
Dada a nossa legislação, para que os planos do MEC se aproximem da realidade, o máximo que podem fazer os seus autores é tentar adivinhar o que as secretarias irão fazer e inserir esses números no documento. Novamente, isso não é bem um plano, mas uma previsão, como fazem alguns escritórios de prospecção de conjuntura, igualmente impotentes para alterar a realidade.
Por razões misteriosas, perdemos imenso tempo e energia na elaboração e discussão desses documentos fantasiosos. Afinal, para que brigar por um plano desdentado?
Fala-se agora na criação de um complicadíssimo sistema de planejamento, com um emaranhado de burocracias bizantinas, prenhe de comissões, fóruns e coordenações. Quem tem algum juízo, só pode desejar que atrapalhe pouco, pois sua eficácia é uma quimera. Se os prefeitos vão reter a sua autonomia, servirão para nada. Se mandarão os labirintos burocráticos criados, é inimaginável o dano resultante.
Como, legalmente, o MEC é o grande maestro da nossa educação, deveria mostrar a sua liderança. Há duas linhas possíveis. A primeira é um diagnóstico do que está acontecendo, mostrando quais são os problemas e as prioridades nacionais – tudo em linguagem simples. A segunda é um uso das transferências, do seu próprio orçamento, para os níveis locais. Deveriam estimular as boas direções e penalizar as más. Algo começou nessa linha, porém, ainda é incipiente e temeroso.
Claudio de Moura Castro é Ph.D. em Economia pela Universidade de Vanderbilt. Foi Presidente da CAPES e Professor na Universidades de Chicago, Genebra, Borgonha, FGV, Brasília. Autor e Prêmio Jabuti.