“O debate sobre o fim da escala 6×1 enquadrou a direita”
Rick Azevedo, vereador (Psol-RJ) e fundador do VAT (Vida Além do Trabalho), fala das perspectivas do movimento e de seu primeiro mandato
atualizado
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A direita vem pautando o debate político nas redes sociais e a polêmica do PIX, carregada de fake news, foi só um exemplo dessa goleada. A PEC do fim da escala 6×1 é uma exceção. Defendida pela deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) foi a maior vitória digital recente da esquerda, mobilizando trabalhadores de todo o país.
A proposta é encabeçada por Rick Azevedo, fundador do movimento VAT (Vida Além do Trabalho) e vereador eleito pelo Psol carioca, com quase 30 mil votos – o mais votado pelo partido. Natural de Taipas, no Tocantins, ele mora no Rio de Janeiro há mais de dez anos. O movimento nasceu após seus vídeos reclamando da jornada exaustiva de trabalho viralizarem no TikTok. Na época, ele trabalhava em uma farmácia.
Na conversa ele conta como foi a organização do VAT, a aproximação com Erika Hilton, a atualização da CLT e como deseja atuar em seu primeiro mandato na Câmara de Vereadores.
Como vocês se organizaram após a repercussão do vídeo?
Depois que o vídeo viralizou, as pessoas queriam se organizar e eu era totalmente inexperiente. A gente vai fazer uma manifestação? A gente vai pra frente da Câmara? Criei uma comunidade no Whatsapp e em menos de 24 horas lotou com duas mil pessoas. A partir desse momento eu vou articulando com outros trabalhadores que me ajudaram a fundar o movimento em vários estados e que até hoje seguem na coordenação nacional do movimento VAT. Foi um movimento construído e fundado organicamente pela classe trabalhadora que se sentiu abraçada pelo meu grito de socorro. Seguimos até hoje indignados e revoltados e querendo o fim da escala 6×1.
Quando você percebeu que teria que pedir demissão da farmácia para poder se dedicar ao VAT?
Dois meses após o vídeo, que foi em setembro. No final de outubro, início de novembro, eu falei: não dá mais.
E como você se sustentou?
Depois da farmácia eu vivi com amigos que estavam me ajudando e com a monetização do TikTok, que não era muito.
E sua aproximação com o PSOL? Você disse que não tinha participado de movimento, não era filiado a nenhum partido político. Você foi procurado por outras legendas?
O meu primeiro contato com o PSOL foi através da Erika Hilton. A gente não teve essa conversa política sobre candidatura no primeiro momento, mas depois que as coisas foram tomando proporções maiores, eu acabei me decidindo. O PSOL foi a única bancada que assinou a PEC. Aí eu pensei, cara, é esse o partido.
Conte mais sobre sua aproximação com a deputada Erika Hilton
Eu a procurei e junto com a equipe dela ficamos alguns meses tentando construir o melhor caminho para acabar com a escala 6×1. A princípio pensamos em um projeto de lei, mas depois vimos que é preciso alterar a constituição, então resolvemos redigir essa PEC. A nossa conexão está em como entendemos a política. Estamos nessa construção de levar essa PEC até o final, para que ela seja votada em plenário. Nosso próximo o é a CCJ. Essa é a nossa ligação, luta, militância e muita briga dentro das instituições.
Seu mandato de vereador tem muitos limites em relação a sua pauta, que é nacional. Vi que você quer acabar com a escala 6×1 dentro da prefeitura carioca. Como trazer o VAT para seu mandato?
Lutar pelo fim da escala 6×1 no país e a prefeitura do Rio fazer contrato 6×1 não tem coerência nenhuma. Eu também estou envolvido com a questão do transporte público. No Rio de Janeiro, há uma onda de calor extremo e o trabalhador, principalmente da zona oeste e norte, não tem sequer um ar-condicionado, uma obrigação das empresas. A gente volta para a pauta do trabalho de novo. Quem sofre dentro do transporte é justamente os trabalhadores da escala 6×1. Essa questão e a saúde mental dos trabalhadores são os projetos que estamos atentos.
Qual a sua relação com os sindicatos?
Desde o início é uma relação, digamos, ok. Com o sindicato dos comerciários do Rio houve uma troca, eles disseram que apoiam a pauta, tem outros sindicatos também. Mas poderia ser mais próxima. Eu acho que tem essa questão da aceitação que as formas de reivindicar mudaram, mas enquanto vereador, estou de braços abertos. O mundo vai mudando. Até o momento não é uma relação próxima, mas poderá ser futuramente.
O que não faltam são pontos em comum…
Essa questão do 6×1, é o resquício da escravidão. Não sei se você sabe, mas nem a 6×1 a maioria dos patrões cumpre. Tem 12 por um, 15 por um. A gente tá falando de um mundo do trabalho que está precarizado. A gente tá falando de um mundo do trabalho em que houve um desmonte da CLT lá em 2017, pra vir com essa conversa neoliberal que todo mundo pode, todo mundo pode ter o seu próprio tempo. Estou aqui tentando fortalecer a CLT, não sou anti-CLT, Deus me livre. Só acredito que a CLT tem que ser atualizada.
Que tipo de atualização você indicaria?
Além de acabar com a escala 6×1, tem que diminuir a jornada semanal de 44 horas também. O cartão alimentação tem que ser uma obrigatoriedade da CLT e não um acordo sindical. Uma mãe, se não me engano, tem direito a um ou dois atestados ao ano por causa do filho. Como é que a mãe vai programar o dia que o filho vai ficar doente? É preciso ter uma fiscalização incisiva. Eu tenho inúmeros relatos de mães que trabalham três, quatro domingos ao mês e não folgam domingo algum. Falta o quê? Fiscalização.
A reação dos empregadores foi automaticamente contrária. O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) chamou de “ideia estapafúrdia”. O Congresso é conservador, vai ser um debate difícil
É terrível. É uma cara de pau tão grande porque muitos empresários ficam falando que se a escala 6×1 acabar, a empresa vai falir. Na verdade, eles querem continuar com o aval legal para explorar as pessoas. Eles dizem que a produtividade brasileira é baixa. É baixa porque uma escala excessiva não é sinônimo de qualidade. Eu fui na 25 de março em São Paulo, fiquei horrorizado com a quantidade de pessoas que trabalham 14 dias para folgar um. E não pode questionar, para não ser mandado embora.
Apresentamos uma proposta, 4 por 3, justamente para ter o direito de debater. Ninguém está falando que vai ser essa escala, mas a gente quer chegar num consenso. E aí muitas vezes eles falam que o movimento não quer dialogar. É uma burguesia burra. Uma jornada mais equilibrada retorna para a economia também, porque as pessoas vão ter mais tempo para gastar e economia girar.
Onde você se coloca entre os movimentos de esquerda?
Eu sou a esquerda da base da pirâmide, do trabalhador que quer comer agora, do trabalhador que precisa de uma escala mais justa agora, porque ele está com burnout, do trabalhador que está lá dentro do trem, dentro do metrô, no ponto do ônibus, do trabalhador que não tem tempo para demagogia. Ele quer resultado agora, ele quer lutar por isso agora. Então estou mais próximo dos movimentos sociais.
Uma das grandes críticas à esquerda a partir de 2002 e a chegada ao poder é que ela se institucionaliza e se afasta desses movimentos. Como o vereador vai lidar com isso?
Esse é um medo de muita gente, dos apoiadores. Entrou pra política… Quando na verdade a gente sempre está dentro da política, só que na parte que não tem voz. A política não se mantém sem a classe trabalhadora. Ir para as instituições é ter estrutura para lutar por aquilo que eu acredito. E obviamente sem esquecer que eu estou aqui por um propósito, não para fazer carreira política como se fosse concurso público. Vou responder na prática, porque eu acredito na revolta da classe trabalhadora. Se a gente não conseguir mobilizar a classe trabalhadora não vai mudar nada.
Parte da esquerda tem preconceito com as religiões evangélicas, que justamente são maioria nas periferias. Qual sua relação com esses grupos?
Eu não tenho religião, mas respeito todas. Tenho muitos apoiadores evangélicos, eu tive uma votação bastante expressiva na zona oeste, onde há muitos evangélicos, e acredito que a gente não pode fazer política expulsando as pessoas. Eu lembro que, quando o Marco Feliciano tentou barrar a nossa audiência pública eu reagi a ele com um vídeo, convidando as pessoas a refletir, porque os evangélicos acreditam que há pessoas em Brasília defendendo-os. Mas como ser contra uma proposta que exige mais tempo para a família, mais tempo para a família ir ao culto, mais tempo para um almoço de domingo, para ter mais união? A repercussão foi boa. A gente deu uma enquadrada neles.