O favor que o general fica devendo ao brigadeiro que se opôs ao golpe
Esboço de uma história ainda por ser contada
atualizado
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Somente o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército no último ano do governo ado, pode avaliar o tamanho do favor que lhe fez o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica, ao depor, ontem, no Supremo Tribunal Federal, sobre a tentativa de golpe em dezembro de 2022 planejada pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Foi um favor e tanto, coisa de amigos ou dos que fazem parte da mesma corporação. Há três dias, quando foi ele que depôs, Freire Gomes negou que tivesse ameaçado prender Bolsonaro se ele avançasse com a ideia do golpe. Disse que apenas o alertou de que poderia ser “enquadrado juridicamente” se insistisse em algumas teses que saíam do “aspecto jurídico”. E comentou:
“Alguns veículos relataram que eu teria dado voz de prisão ao ex-presidente, mas isso não aconteceu”.
Baptista Junior contou o que aconteceu:
“O general Freire Gomes é uma pessoa polida, educada. Logicamente ele não falou essa parte com agressividade com o presidente da República, ele não faria isso. Mas é isso que ele falou. Com muita tranquilidade, com muita calma, mas colocou exatamente isso: ‘Se o senhor tiver que fazer isso, vou acabar lhe prendendo’”.
Por que o general arregou, a ponto de ter levado uma bronca do ministro Alexandre de Moraes que o interrogava? Só Freire Gomes sabe, mas não conta. Jamais contará. Deve ter lá seus motivos. Um deles pode ser excesso de cautela; outro, o receio de que pensem que sua oposição ao golpe não foi tão firme como possa parecer. De fato, não foi tão firme. Ele fraquejou em várias ocasiões.
Freire Gomes entrou calado e saiu calado da reunião ministerial de 5 de julho de 2022 onde Bolsonaro e diversos ministros fizeram manifestações de cunho golpista a três meses da eleição. Bolsonaro cobrou uma reação à derrota que se avizinhava. O ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, chegou a falar em “virar a mesa”. A reunião foi gravada.
Em 11 de novembro de 2022, Freire Gomes, e os demais comandantes das Forças Armadas, am uma nota vista à época como ameaça velada ao Supremo Tribunal Federal e um aval à manutenção dos acampamentos à porta de quarteis do Exército onde inconformados com a derrota de Bolsonaro clamavam por uma intervenção militar para impedir a posse de Lula.
O general Gustavo Dutra, chefe do Comando Militar do Planalto, preparou uma operação para desmontar os acampamentos no dia 29 de dezembro. Freire Gomes chamou Dutra de inconsequente e desautorizou a operação. Foi do acampamento em Brasília que no dia 8 de janeiro de 2023 saíram milhares de pessoas para tomar de assalto o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal.
Naquele dia, uma vez decretada por Lula a intervenção federal no Distrito Federal, uma tropa da Polícia Militar local, sob o comando do interventor, foi prender os manifestantes que haviam retornado ao acampamento. Freire Gomes valeu-se de tanques de guerra para barrar a tropa. Irritado e os brados, falou em banho de sangue se sua ordem fosse desrespeitada.
A prisão só ocorreu no dia seguinte, depois de uma tensa reunião de Freire Gomes com ministros do governo Lula – entre eles, Rui Costa (Casa Civil), José Múcio Monteiro (Defesa) e Flávio Dino (Justiça). Deu tempo assim para que de madrugada fugissem os militares e os parentes de militares que ali estavam acampados.