João Pedro foi morto dentro de casa há 5 anos e ainda não teve justiça
Morto em 2020 durante uma operação policial no Rio de Janeiro, João Pedro tinha 14 anos e estava em casa no momento do assassinato
atualizado
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João Pedro tinha 14 anos. Estava jogando videogame na casa dos tios, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, quando a polícia entrou atirando. Foram mais de 70 disparos. João não correu, não reagiu, não ameaçou. Apenas existia — o que, no Brasil, pode ser perigoso quando se é um jovem negro e mora na periferia.
Cinco anos se aram desde aquele maio de 2020. O mundo estava em choque com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos. E aqui, no Brasil, uma criança negra era morta pela polícia dentro do que deveria ser seu espaço de segurança: a casa. A semelhança entre os dois casos não é coincidência — é estrutura. É projeto.
Em 2024, os três policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) foram absolvidos. A Justiça entendeu que agiram em legítima defesa. Que defesa? Contra quem? Contra um menino desarmado, acuado, em pânico, dentro de casa? A decisão foi um tapa na cara da família. E um recado para a sociedade: no Brasil, algumas mortes são autorizadas.
Agora, em 2025, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro tenta reverter esse absurdo. Pede que os agentes sejam levados ao júri popular — o mínimo que se espera diante de um caso tão brutal, com provas, contradições nos depoimentos e laudos técnicos que desmontam a versão oficial. E ainda assim, precisamos lutar para que isso aconteça. Precisamos fazer atos, protestos, mobilizações. Precisamos clamar por um julgamento. Porque, no Brasil, nem isso é garantido para pessoas negras.
A história de João Pedro não pode ser esquecida. Ela é síntese de tantas outras. Ela é símbolo de um país onde a infância preta é interrompida pela mira de um fuzil, onde a favela vive sob estado de exceção, onde a casa — esse lugar que deveria ser sagrado — é invadida pela guerra que o Estado declara contra os seus próprios cidadãos.
A decisão de absolver os policiais foi mais do que uma injustiça jurídica: foi uma injustiça moral, histórica, coletiva. Foi o Estado dizendo que pode matar e que, depois, tudo será apagado com um carimbo. Mas João Pedro não é um número. Não é uma estatística. João Pedro era um filho, um neto, um aluno. Tinha sonhos, tinha vida. E isso ninguém tem o direito de tirar.
O julgamento de hoje não é apenas sobre três policiais. É sobre o país que queremos ser. É sobre a coragem de reconhecer que a justiça só tem esse nome quando é para todos. Que não se pode absolver quem matou uma criança e achar que seguimos em paz. Porque paz sem justiça é apenas silêncio.
Que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não repita o erro. Que permita que a sociedade escute, avalie, julgue. Porque quando o Judiciário se omite, ele legitima. E quando o Estado mata e se recusa a reconhecer, ele se torna cúmplice.
João Pedro não está mais aqui. Mas seu nome ecoa em cada mãe que ainda tem medo de ver o filho sair de casa. Em cada favela que amanhece com helicópteros, tiros e corpos. Em cada pessoa que ainda acredita que um país melhor é possível — desde que a verdade não seja soterrada pela impunidade.
Hoje, mais do que nunca, é dia de lembrar que João Pedro foi arrancado do futuro que merecia. E que enquanto o Estado seguir falhando com os seus, nós seguiremos cobrando justiça. Porque a luta não é por metáforas — é por responsabilidade, por verdade, por dignidade. Para que nenhuma outra mãe precise viver o luto da injustiça. Para que nenhuma outra criança seja assassinada sob a licença da farda.