Produto inadequado causou cegueira em pacientes de mutirão, diz OSS
Assepsia foi feita com produto errado. Inversão na aplicação das substâncias também contribuiu para cegueira de pacientes após mutirão
atualizado
Compartilhar notícia

São Paulo — Após a falha em um mutirão de catarata realizado em Taquaritinga, no interior de São Paulo, ter deixado 12 pessoas cegas, a Organização Social de Saúde (OSS) Grupo Santa Casa de Franca, responsável pelas cirurgias, itiu que o problema foi provocado pelo uso inadequado de produtos e pela inversão na ordem de aplicação das substâncias. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou um procedimento para investigar o caso.
O mutirão foi realizado em 21 de outubro e, na ocasião, 23 pacientes aram por cirurgia — dentre os quais 12 apresentaram complicações pós-operatórias em um dos olhos. Segundo a OSS, uma investigação preliminar apontou que houve falha das equipes médica e assistencial no cumprimento dos protocolos cirúrgicos.
“Conforme os protocolos institucionais, a assepsia deve ser realizada com PVPI (iodo-povidona), de coloração roxa, permitindo identificação visual clara por todos os profissionais envolvidos na cirurgia. No entanto, foi constatado que a equipe utilizou clorexidina (de coloração transparente), dificultando a verificação visual do produto empregado”, informou o Grupo Santa Casa de Franca.
Além disso, segundo a OSS, a investigação identificou ter ocorrido uma “inversão na ordem de aplicação dos produtos”. Em vez de seguir o procedimento correto — em que a clorexidina é utilizada para assepsia e o soro Ringer para o selamento da incisão — “houve o acidente, no qual a clorexidina foi aplicada em substituição ao soro Ringer”, acrescentou a entidade.
Em nota, a OSS disse, ainda, que os pacientes afetados pelo problema foram inseridos na fila de transplante de córnea do Estado dia 6 de dezembro de 2024, após a constatação do dano pelo próprio Grupo Santa Casa de Franca.
A organização também alega que o erro atingiu “apenas um olho” de cada paciente. “Já que, por segurança, nunca se realizam cirurgias simultâneas nos dois olhos, justamente para evitar riscos de perda total da visão”, diz a nota.
Reutilização de material
Um áudio obtido com exclusividade pelo Metrópoles, e atribuído ao diretor médico da OSS, Francisco Luis Coelho Rocha, revela o profissional supostamente exigindo à equipe para reutilizar um aparelho destinado para uma cirurgia de catarata. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda o descarte completo do dispositivo para evitar contaminações. Ouça o que disse o profissional:
“Faco” se refere a facoemulsificação, denominação do procedimento popularmente conhecido como cirurgia de catarata. Ponteira e caneta, por sua vez, são instrumentos cirúrgicos utilizados nas cirurgias oftalmológicas.
De acordo com a Anvisa, independentemente do tipo de cirurgia, todos os instrumentais e produtos cirúrgicos são considerados críticos e devem estar estéreis para serem utilizados em qualquer paciente. Exemplo disso são as canetas de facoemulsificação e suas extensões.
A reportagem indicou ainda uma série de “não conformidades” registradas em pouco mais de três meses no AME de Ribeirão Preto, também istrado pelo Grupo Santa Casa de Franca. Fontes informaram com exclusividade ao Metrópoles que as irregularidades são facilmente encontradas em outras AMEs geridas pela OSS, como a unidade de Taquaritinga.
Investigação
- Conforme o Grupo Santa Casa de Franca, todas as informações apuradas estão detalhadas em sindicância e serão entregues ao Estado na Secretaria Estadual de Saúde (SES-SP) ainda esta semana.
- A SES-SP afirmou que possui uma investigação em andamento para apurar rigorosamente o caso ocorrido.
- O Ministério Público de São Paulo (MPSP) também instaurou procedimento para investigar o mutirão de cirurgia de catarata.
- Na terça-feira (11/2), o promotor de Justiça Ilo Wilson Marinho Gonçalves, que está apurando o caso, ouviu a Vigilância Sanitária pela manhã. À tarde, ele teria ouvido secretário de Saúde da cidade.
O que diz a OSS
Em nota, o Grupo Santa Casa de Franca afirmou que o documento que aponta as não conformidades identificadas no segundo semestre de 2024 no AME Ribeirão Preto está desatualizado e, por isso, não reflete a atual realidade da unidade de saúde. Conforme a OSS, o AME “tem avançado continuamente na implantação de seus processos, alinhando-se às melhores práticas assistenciais e regulatórias, com previsão de atingir sua plena maturidade operacional até março de 2025”.
O grupo também lamentou o ocorrido no mutirão de cirurgia de catarata e reafirmou o compromisso com a qualidade e segurança do paciente.
“Seguiremos com a postura responsável, o que está comprovado nos laudos de que o erro não se deu nas instalações, protocolos e sim na falha humana profissional. Somos solidários aos pacientes; estaremos ao seu lado pela responsabilização do fato e no seu acolhimento, e daremos total transparência para as autoridades cabíveis e à população”, disse a OSS em nota.