PM de SP aliado ao CV planejou morte de policiais honestos: “Lixos”
Apontado como chefe de uma organização criminosa aliada ao Comando Vermelho a ao Bando do Magrelo, cabo da ativa está preso
atualizado
Compartilhar notícia

São Paulo – Sete dias antes de ser preso, o policial militar Carlos Alexandre dos Santos, o Bicho (imagem em destaque), começou a trocar mensagens com o guarda civil municipal (GCM) Denis Davi de Lima, nas quais deixou clara a parceria dos agentes públicos em atividades criminosas na região de Araras — cidade do interior paulista, distante 168 km da capital.
Como revelado pelo Metrópoles, o cabo mantinha uma vida dupla, conciliando a rotina de PM com a de líder de uma quadrilha, aliada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e ao Bando do Magrelo, uma forte organização criminosa regional, nascida em Rio Claro, que se opõem ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no interior paulista.
Em pouco mais de 24 horas de conversa, entre a tarde de 20 de fevereiro e a noite do dia seguinte, o PM e o GCM falaram sobre a organização de roubos, tráfico de drogas e, inclusive, em planos para matar policiais e guardas honestos, que estariam atrapalhando suas ações no submundo.
Denis foi preso na segunda-feira (5/5), em um hotel no Rio Grande do Sul, durante a Operação Hitman, deflagrada pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Limeira.
Ele compunha a célula criminosa chefiada pelo PM, cujo celular — apreendido no dia de sua prisão — ajudou a Polícia Civil paulista a descortinar os bastidores de corrupção e violência orquestrados por agentes públicos no interior do estado.
“Comandante fechado”
Nas conversas entre o cabo e o guarda, obtidas com exclusividade pela reportagem, ambos falam sobre como um GCM e um PM honestos, que trabalhavam no Centro de Operações Integradas (COI), e estariam atrapalhando a rotina de crimes da quadrilha. Denis também estava lotado na mesma central de monitoramento com câmeras, na qual influenciava e atrapalhava investigações sobre seus aliados da organização criminosa.
As ações do guarda corrupto, como mostrado pela investigação e revelado pelo Metrópoles, tinham a anuência de Daniel Ponessi Alves, comandante da GCM de Araras. Denis apagava informações sobre emplacamento de veículos dublês — usados por Carlos em empreitadas criminosas, como homicídios — para que não fossem identificados no sistema, por exemplo.
A conduta dele, porém, era monitorada por agentes honestos, que avam informações a um investigador e um delegado da Polícia Civil. Porém, Denis não estava sozinho no COI, onde conseguia informações sobre a conduta de seus “inimigos”.
“O próprio comandante [da GCM de Araras] que é fechado comigo aí ou para mim que aram emplacamento do veículo aí [que] tu [PM corrupto] tava rodando direto para o PM [honesto] que trabalha no COI […] aí eu fiz meus corres e tiveram que apagar né, apagar tudo”, disse Denis, por mensagem de áudio ao cabo Carlos.
A conversa segue e o PM se prontifica a conseguir um novo carro dublê — que teve a documentação adulterada e copiada de um veículo regularizado –, o que acabou não acontecendo, por conta de sua prisão, sete dias depois. Antes disso, foi alertado por Denis de que o PM honesto havia cadastrado novamente no sistema de câmeras os dados dos dois carros clonados usados pelo cabo.
Isso, destaca relatório da DIG, “reforça a hipótese de vazamento de informações sigilosas por parte de agentes internos, com possível o indevido a sistemas s”.
“Pra vala esses fdp”
A identidade do PM e do GCM honestos, com base nas informações de comparsas, já era de ciência da dupla de agentes públicos ligados ao crime organizado. A partir daí, ambos começaram a trocar mensagens, falando sobre o assassinato dos policiais e guardas honestos.
“Vou no pescoço deles, irmão. Pode ter certeza. esses cara [sic] mexeram com o cabra errado. Vou levantar tudo isso, pode ter certeza […] pra vala esses ‘fdp’ irmão, pode escrever”, afirmou Carlos ao interlocutor.
A seriedade das afirmações, como destacado em relatório da DIG, constatou-se após armas e itens serem localizados em um Peugeot que estava com Carlos (veja galeria acima). Foram apreendidos pistolas, entre as quais, uma com silenciador, além de tocas tipo balaclava, colete balístico e itens usados para disfarce e proteção “em ações criminosas premeditadas”.
“Torna-se plausível, diante do contexto apresentado, que tais armas estivessem destinadas à execução das ameaças proferidas contra os agentes de segurança envolvidos nas investigações”, diz relatório policial.
“Ele é X9”
A conversa entre Carlos e Denis continua e o GCM afirma que um PM honesto, que trabalha no COI, “é x9” — ou seja, um informante — de um delegado.
A dupla de agentes públicos criminosos demonstra indignação com a situação e Denis conclui que a única solução seria o assassinato dos inimigos, proposta referendada pelo comparsa.
Com base nas conversas dos criminosos, a DIG conseguiu identificar dois policiais civis — entre eles um delegado — um PM e um GCM que seriam alvo de atentados. Os crimes, porém, não foram concretizados.
Além dos agentes públicos, a quadrilha chefiada pelo PM corrupto também mantinha uma listagem de inimigos a serem exterminados, entre eles, membros do PCC.
Um dos nomes riscados da lista foi o de Everton Donizete Nunes, o R6, integrante do PCC, assassinado no último dia 30, no Bairro Jardim José Ometto, em Araras. Criminosos encapuzados desembarcaram de um Honda HRV vinho e dispararam dezenas de vezes contra a vítima, que morreu no local.
O carro usado pelos pistoleiros foi localizado, incendiado, em uma área rural.
O cabo Carlos arquitetou o assassinato do rival, como provam trocas de mensagens — com outros membros da quadrilha — nas quais foi sugerido, inclusive, o uso de munição mais potente para garantir a morte do alvo.
Roubo de armas
Uma das ações articuladas pelo cabo Carlos Alexandre dos Santos era a venda de armas para o CV. Parte dos itens comercializados, segundo as investigações, era roubada.
Em conversa com um criminoso ligado ao CV, o PM de São Paulo negociou e fechou a venda do arsenal, pertencente a um GCM, antes mesmo de as armas serem roubadas na casa da vítima.
Registros oficiais da Delegacia de Araras, obtidos pelo Metrópoles, mostram que três criminosos invadiram a residência do guarda, na madrugada de 23 novembro do ano ado. O trio ou o prédio, localizado no centro da cidade, usando um controle remoto e destrancou o apartamento com uma chave.
Encapuzados, os bandidos ameaçaram o GCM e a esposa dele para que o cofre onde as armas estavam fosse aberto. O trio roubou fuzis, pistolas, revólveres, munições, itens eletrônicos e joias.
A investigação da DIG constatou que esse assalto foi articulado pelo grupo liderado pelo PM Carlos.
“Rota Caipira”
O núcleo ligado ao CV atuava em Limeira e cidades próximas do interior paulista, como: Araras, Leme, Conchal e, também, na região sul do país – onde o GCM do interior paulista foi preso, com apoio da Polícia Civil gaúcha.
O objetivo dos criminosos ligados ao CV, como mostram as investigações, era tentar assumir o controle da chamada “Rota Caipira”, usada para o transbordo de armas e, principalmente, da cocaína produzida na Bolívia e Colômbia.
Os PMs e GCMs investigados, como consta em documento da Polícia Civil, estão “alinhados aos interesses expansionistas” da facção fluminense, “a fim de alterar o domínio geocriminal da região, que é estratégica para o tráfico de armas e de drogas”.
Prefeitura e PM
A PM afirmou ao Metrópoles, em nota nessa quarta-feira (7/5), ter prestado apoio à Polícia Civil, por meio da Corregedoria da corporação, no cumprimento de mandados de prisão e busca a apreensão em Araras, “onde foi dado cumprimento ao mandado de prisão de um policial militar”, diz trecho do documento, sem dar detalhes de quem seria o PM.
A Prefeitura de Araras afirmou ao Metrópoles, também por meio de nota, que os três GCMs foram afastados preventivamente de suas funções. O governo municipal acrescentou ter prestado apoio durante a Operação Hitman e disse seguir à disposição para colaborar com a investigação.